domingo, 21 de agosto de 2011

Sociologia


De Raças e Racismo
“No Brasil há pessoas de todas as cores: branca, amarela, negra... Quantas raças existem aqui? Você acertou se disse UMA, a Raça Humana!”  Zezé Motta em propaganda de Organização Não Governamental em defesa da igualdade entre os povos e culturas

            No reino animal – de que pouco nos distanciamos – o que define “espécie animal” é a interfecundidade e a capacidade de gerar descendência fértil. Assim, se um casal de aves ou de mamíferos gera filhotes férteis, trata-se da mesma espécie animal, ou seja, da mesma raça.
            Raças diferentes podem, em alguns casos, gerar descendência, mas esta não será fértil. Vejamos o caso do Pintagol, resultado do cruzamento de um pintassilgo com um canário belga. O pintagol é incapaz de gerar descendência. O mesmo com relação à mula. O cruzamento de um cavalo com uma jumenta resulta num animal mais forte e resistente que seus genitores, a mula, que é estéril! Os exemplos poderiam multiplicar-se.
            A espécie ou raça humana tem como características principais o cérebro mais desenvolvido, a capacidade de simbolizar e de comunicar-se através da fala. As diferenças exteriores, aparentes, segundo estudos antropológicos exaustivos, não caracterizam “raças” distintas como a sociologia considerava até o início do século XX. Após o Imperialismo, o Neocolonialismo e, particularmente, o Nazismo, percebemos o equívoco grosseiro daquelas primeiras tentativas de apreender o humano em sua diversidade.
            Fazendo um paralelo com nossos irmãos mais jovens, do chamado reino animal, percebemos que se um cidadão de origem japonesa contrai núpcias com uma africana, como nos mostram os contatos culturais disto resultantes, o casal gera descendência plenamente fértil. Trata-se, portanto, da mesma espécie, da mesma raça, a raça humana. O mesmo se um europeu caucasiano contrai matrimônio com uma nativa da América (“índia”): gerará descendência fértil! Esquimós, caucasianos, japoneses, tikuna, yanomami, zulus, sudaneses, bantos, papuas, chineses, etc, etc, etc ficam melhor caracterizados, do ponto de vista humano, como “culturalmente diferenciados”. A capacidade física e intelectual de toda a espécie humana é precisamente a mesma. Os diferentes resultados são conseqüência da formação cultural e social dos diferentes povos do mundo.
            Na sociologia e na antropologia contemporâneas não há mais espaço para considerar, entre seres humanos, uma “raça superior” ou outra “inferior”, como o faziam os nazistas em relação aos judeus ou mesmo os caucasianos em relação aos nativos da África ou da América. As diferenças são miseravelmente aparentes: cor de pele devido à maior incidência de raios solares em certos pontos do planeta fazer com que a seleção natural beneficiasse os melhor adaptados, aqueles que têm uma quantidade maior de melanina na pele; aqueles que vivem em regiões com maior incidência de tempestades e ventos fortes viram os melhor adaptados, com olhos mais fortes e resistentes, tivessem melhor sucesso em sua adaptação e assim por diante – a força física e a capacidade intelectual é rigorosamente a mesma em toda a espécie humana.

Etnocentrismo

            A definição clássica de etnocentrismo é considerar a própria cultura ou civilização como superior ou, no limite, a única válida. Assim vimos o massacre dos índios americanos, a escravização dos negros, o neocolonialismo e mesmo as guerras deste século contra os muçulmanos do Afeganistão e do Iraque.
            Como vimos, não se pode mais falar em “raças” quando nos referimos à espécie humana. Deve-se preferir o termo “cultura”, sendo “etnia” um termo técnico a ser usado com muito cuidado. Já ouvi erros grosseiros de expressão, como “etnia negra” ou “etnia japonesa”, uma forma mal disfarçada de racismo...

Alguns dados históricos

            No Sudão, há mais de três mil anos, havia uma enorme instituição de ensino de elevada excelência e para a qual afluíam egípcios, caldeus, assírios, babilônios... Tudo se perdeu e foi destruído com a sucessão de massacres etnocêntricos ao continente africano meramente porque a superioridade bélica da civilização européia era superior à sudanesa, que tinha meramente a primazia intelectual.
            Nos Andes e na Meso-América encontraram-se civilizações (Inca e Azteca) com um nível de cultura em muito acima do europeu. O maior problema dos chamados “índios” era o de humanizar a natureza (“sou filho da Terra”, “o Sol é meu pai”, “animais e plantas são meus irmãos e irmãs”, etc.) e ter um sofisticadíssimo sistema de convívio social humano. O europeu do renascimento, por outro lado – são exemplos Maquiavel, César Bórgia, o papa guerreiro Leão III entre outros – esmeraram-se em desenvolver máquinas de destruição de seres humanos, praticavam a simulação (fingir ser algo que não se é), a dissimulação (ocultar o que se é), mentiam – um dos maiores problemas para os nativos da América foi que quando o invasor se fazia entender através de intérpretes, “viemos em paz em nome dos monarcas europeus”, os nativos acreditavam neles. O episódio clássico de Hernán Cortez fazer um longo discurso a favor da paz (com a tradução da Malinche, ex-concubina do próprio Montezuma), os aztecas relaxarem e Cortez, após incinerar os navios para que ninguém tentasse voltar para a Europa ordenou o genocídio daquele povo. A cidade de Tenochtitlán, capital da Confederação Azteca, era três vezes maior e mais bem cuidada que Madri. Hoje é a Cidade do México.
            Entre os Incas havia arquitetos, matemáticos, astrônomos e todos foram tratados como escória, obrigados a trabalhar nas minas de prata de seus domínios. Este o sentido que Renato Russo deu à canção “Índios” no trecho em que diz que “se usava como pano de chão o linho nobre e a pura seda”. Hoje, a tecnologia da construção esmeradíssima das pirâmides do Império Inca são uma completa incógnita que seus intelectuais foram massacrados...

Cesare Lombroso, o Nazismo e o Sionismo
            Dentre os intelectuais que se debruçaram sobre a questão – evidente! – das diferenças entre os seres humanos, particularmente de culturas diferentes, destaca-se Lombroso. Criador de uma “ciência”, hoje em completo e absoluto descrédito, chamada fisiognomonia, informava ser possível discorrer sobre o caráter e a índole dos seres humanos a partir de seu aspecto físico!
            Ainda na virada do século XIX para o XX a sociologia, então tateando no escuro, considerava a existência de “raças” diferentes entre seres humanos e informava que “a degeneração está na mistura, na mestiçagem”. “Toda a raça pura pode ser forte, somente a mestiçagem causa o enfraquecimento da espécie”, era o cerne de suas argumentações. Quem pensasse diferente desapareceria do cenário acadêmico e ponto final.
            Os nazistas levaram esta loucura a tal ponto que criaram uma hierarquia entre os seres humanos. O “ariano” seria o caucasiano “puro” – como se existisse tal coisa... – e portanto destinado a ser o senhor do mundo. Os latinos (italianos, espanhóis, portugueses e latino-americanos) seriam no máximo bons trabalhadores braçais. Os judeus seriam “uma praga que infesta a humanidade”. Somente o seu extermínio poderia levar a um aprimoramento da espécie humana. Quando pensamos nos judeus mais ilustres do mundo, como Einstein, Freud, Marx, Marcuse, Horkheimer, etc ficamos estarrecidos diante de assertivas tão disparatadas.
            Os sionistas também se consideram o único “povo escolhido por Deus” e sua marca é a circuncisão. Nunca ouvi falar em “conversão” ao judaísmo. A pessoa tem de ser descendente de judeus para poder converter-se àquela religião – confesso que eu mesmo, aos 13 anos, estudando em colégio judeu, tentei converter-me, uma vez que sou circuncidado, “fazer o Bar Mitzva” que todos os meus colegas estavam fazendo e conseguir uma namorada, que as moças judias não admitem a aproximação de quem não seja judeu... Não pude converter-me pois não consegui provar ser de ascendência judaica. E olha que tentei!
            Intolerâncias de todas as partes. Até quando o mundo viverá nesta situação assim vexatória?
            Avançou-se, avançou-se muito, mas ainda há resquícios de intolerâncias as mais diversas a que, neste 13 de Maio, convido a refletir.
Lázaro Curvêlo Chaves - 13 de Maio de 2004.

3 – AS DIFERENÇAS DE CAPACIDADE ENTRE OS SERES HUMANOS

            Passemos, agora, a um exame científico deste segundo aspecto fundamental da humanidade, que é o da grande diversidade de capacidades entre os indivíduos. Trataremos desta questão com o auxílio de informações oriundas, sobretudo, da ciência política, as quais nos revelam o perfil da abrangência da consciência social da população.
            Os grandes avanços na área dos computadores, a partir da metade do século XX, permitiram uma facilidade muito maior na realização de pesquisas amostrais abrangendo grandes populações, ou até mesmo nações inteiras com muitos milhões de habitantes, a exemplo dos EUA. Deste modo, pesquisas visando obter um panorama preciso e com base empírica (isto é, com base em informações obtidas através de pesquisas de campo) a respeito da realidade ideacional e da consciência social da população começaram a ser realizadas regularmente em vários lugares, sobretudo em centros ligados às grandes universidades. Um dos centros deste tipo, talvez o que acumule maior experiência e goze de maior prestígio internacional, é o “Survey Research Center” (Centro de Pesquisas Amostrais) ligado ao Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Michigan, nos EUA.

Os Estudos de Philip E. Converse

            Um pesquisador bastante conhecido, que durante vários anos trabalhou neste Centro, é Philip E. Converse, o qual juntamente com mais três colegas publicou em 1960 uma obra que se tornou um clássico na área chamada The American Voter (“O Eleitor Americano”). Converse e seus colegas possuem vários trabalhos neste campo de investigação. Dois dos textos bastante conhecidos
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de Converse são The Nature of Belief Systems in Mass Publics (“A Natureza dos Sistemas de Crença na Massa”), 1964, e Public Opinion and Voting Behavior (“Opinião Pública e Comportamento Eleitoral”), 1975, o primeiro deles também tendo se transformado em um clássico na área.
            Nestes trabalhos Converse e seus colegas nos apresentam um perfil bastante preciso de algumas das principais características da consciência social da população americana como um todo. Estes trabalhos estimularam pesquisas análogas em outros países, a exemplo de Political Experience and Electoral Politics in Brazil (“Experiência Política e Política Eleitoral no Brasil”), 1977, diss. de doutorado (Connecticut), de Judson M. De Cew Jr., da minha própria dissertação de mestrado (UFRGS), A Consciência Política na Massa, 1984, e Political Representation in France (“Representação Política na França”), 1986, do próprio Converse em parceria com Roy Pierce.
            Neste texto nos valeremos de alguns aspectos teóricos destes trabalhos, a exemplo da conhecida tipologia (categorias de classificação) a respeito dos níveis de abrangência conceitual na população, empregada por Philip Converse e seus colegas de Michigan, bem como de dados empíricos extraídos em sua maioria também destes trabalhos, sobretudo da minha dissertação de mestrado, na qual me preocupei especialmente em precisar e detalhar as diferenças entre os níveis de abrangência da tipologia de Michigan, a aplicando à realidade brasileira e comparando-a com os dados dos EUA.
            O exame comparativo de dados relativos a um país rico, ou desenvolvido, como os EUA, e de dados de um país pobre como o Brasil contribuirá para nos oferecer uma visão mais completa da humanidade como um todo, especialmente em vista do fato que, como dissemos, duas terças partes da população mundial encontram-se nos países pobres, ditos subdesenvolvidos.

As Diferenças de Alcance na Consciência Social da População

            Através do exame desses dados empíricos procuraremos, por um lado corroborar e, por outro, dar maior precisão quantitativa ao aspecto da diversidade inerente à concepção de humanidade que procuramos apresentar.
            Interessam-nos, muito especialmente, as diferenças existentes entre os níveis de abrangência constatados, de um lado, naquela parcela da população que podemos denominar de “elite”, isto é, a porção mais intelectualizada da população, e de outro lado, no grosso da população, que podemos denominar de “massa”, a qual está
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enquadrada na esfera de influência da elite, conforme será evidenciado à luz dos dados que examinaremos a seguir.
            É um fato bem conhecido pelos institutos de pesquisa de opinião pública, ou pelas agências de publicidade que trabalham com e sobre a opinião pública, e que foi muito bem apanhado nos trabalhos pioneiros de Converse e seus colegas, que os diferenciais existentes entre as quantidades de informação abarcadas pelos indivíduos da elite e pela massa em geral são simplesmente impressionantes. Dentro de uma amostra global da população, estas quantidades variam desde um número muito grande de informações bem organizadas ao nível da elite, até ínfimas porções entre os indivíduos de menor abrangência ou entendimento dos fatos sociais.
            Com base nos dados oriundos dos “surveys” (pesquisas amostrais) aplicados à população norte-americana como um todo, Converse revela em seus textos que muitas coisas importantes ocorrem à medida que se desce nesta escala de quantidades de informação abarcadas pelos indivíduos.

As Diferenças: a Inter-Relação nos Sistemas de Crença

            Em primeiro lugar, ele mostra que rapidamente desaparece a compreensão, ainda que genérica, a respeito das principais e mais comuns correntes político-ideológicas. Para se ter uma idéia inicial, esta compreensão se desvanece mesmo antes de se atingir 10 % da população norte-americana, ou seja, o percentual dos que no início dos anos 60 possuíam grau universitário. E que, a partir daí, um número cada vez maior de informações importantes estão ausentes, resultando em um declínio crescente daquilo que Converse chamou de “inter-relação” entre os diferentes elementos, informações ou idéias que compõem os sistemas de crença dos indivíduos.
            Além disso, que a amplitude destes sistemas de crença vai se tornando cada vez mais estreita e que, ao invés de grandes quantidades de informações bem organizadas ao nível da elite, logo passamos a “encontrar uma proliferação de aglomerados de idéias entre os quais pouca inter-relação é sentida, mesmo, freqüentemente, em casos de inter-relação puramente lógica.” (Converse, 1964, p. 213)
            A respeito desse conceito de inter-relação Converse esclarece que:
(p. 27)
“No caso estático, a “inter-relação” pode ser tomada como significando o sucesso que teríamos ao predizer, dado o prévio conhecimento de que um indivíduo sustenta uma determinada atitude, que ele sustentará certas outras idéias e atitudes. Dependemos implicitamente de tal noção de inter-relação ao julgar, por exemplo, que se uma pessoa se opõe à expansão dos benefícios sociais, que ela provavelmente é conservadora e que também se opõe a qualquer nacionalização de indústrias privadas, auxílios federais à educação, imposto de renda fortemente progressivo, e assim por diante. A maioria das discussões sobre ideologias se valem de suposições relativamente elaboradas sobre tais inter-relações. A inter-relação deve ser tratada, é claro, como uma questão de grau, e este pode ser facilmente medido, pelo menos como uma média entre indivíduos.
            “No caso dinâmico, a “inter-relação” ou “interdependência” se refere à probabilidade que uma mudança no status percebido (verdade, desejabilidade etc.) de um elemento ou idéia iria requerer psicologicamente, do ponto de vista do indivíduo, alguma(s) mudança(s) compensatória(s) no status de outros elementos ou idéias em outras partes da configuração do sistema de crença deste indivíduo.” (idem, p. 207)

As Diferenças: os Elementos de Maior Centralidade

            Por outro lado, o caráter dos objetos de maior centralidade nos sistemas de crença dos indivíduos também sofre notáveis e sistemáticas mudanças ao descermos na referida escala de quantidade de informações. Estes objetos mais centrais mudam, segundo Converse, desde o “remoto, genérico e abstrato para o crescentemente simples, concreto, ou “perto de casa”.” (idem, p. 213) Esta mudança, em termos de conteúdos de maior centralidade, tende a se dar, por exemplo, dos princípios ideológicos abstratos para os grupos ou categorias sociais mais conhecidos (classe social, categoria econômica, religião etc.). E destes grupos para os líderes carismáticos e, finalmente, para temas da vivência imediata dos indivíduos, tais como a família, o trabalho e as amizades.
            Como dissemos, a maior parte destas mudanças são de um modo geral bem conhecidas, a exemplo de certas características do mundo ideacional dos indivíduos de mais baixa renda e/ou escolaridade, tais como a predominância do pensamento concreto e de perspectivas temporais de curto prazo. Contudo, Converse vai além desse conhecimento genérico ao ressaltar que:
(p. 29)
“a maioria das coisas em política – particularmente aquelas que se desenrolam nos palcos nacionais e internacionais – são, por sua própria natureza, remotas e abstratas. No que tange à política, portanto, tais mudanças ideacionais começam a ocorrer logo abaixo do estrato extremamente fino da população dos que já tiveram oportunidade de fazer pronunciamentos públicos sobre assuntos políticos. Em outras palavras, as mudanças nos sistemas de crença que falamos não são uma patologia limitada a uma fina e desorientada camada de miseráveis e marginais; elas são imediatamente relevantes para a compreensão do grosso do comportamento político da massa.
            “É este último fato que parece ser repetidamente mal compreendido pelos analistas sofisticados que comentam, de uma forma ou outra, sobre o significado da política de massa.” (idem, p. 213)

O Papel Organizativo dos Conceitos Abstratos

            A partir de observações fundamentais como esta, Converse tratou de examinar mais detalhadamente a realidade e o perfil destas mudanças de alcance na consciência sócio-política da população em geral.
            O estudo cuidadoso das entrevistas trazidas pelos surveys, os quais incluíam tanto questões fechadas, isto é, com respostas previamente estruturadas, quanto farta quantidade de questões abertas, isto é, com possibilidade de respostas totalmente livres por parte dos entrevistados, revelou a estes pesquisadores que a quantidade e a organização das informações abarcadas pelos diferentes indivíduos em seus sistemas de crenças estão intimamente relacionadas com o que eles chamaram de “dimensões ideológicas de avaliação”.

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