2ª Conferência Nacional de Cultura -
Foco: Produção de arte e de bens simbólicos, promoção de diálogos interculturais, formação no campo da cultura e democratização da informação.
1.1. PRODUÇÃO DE ARTE E BENS SIMBÓLICOS
A arte pode ser compreendida como um dos subsistemas simbólicos da cultura - o sistema estético - onde estão refletidos os significados subjacentes à vida social, presentes também em outros campos: na religião, no trabalho, nas relações de parentesco e poder. Assim entendida, a arte é uma das formas de conhecer e interpretar o mundo. A ampla gama de expressões artísticas existentes no planeta resulta da diversidade de concepções que os seres humanos têm sobre como são e funcionam as coisas.
As instituições culturais, reconhecendo essa diversidade, lançam um novo olhar sobre o debate referente à valoração simbólica da produção artística. Tanto as instituições responsáveis pelo patrimônio cultural, como as que cuidam das artes contemporâneas, começam a construir um modelo menos rígido para classificar e tratar essa produção. As fronteiras que pareciam separar o tradicional do contemporâneo se desfazem. O próprio conceito de contemporaneidade passa a levar em consideração as manifestações populares. Mesmo porque essas manifestações nunca foram estáticas, ao contrário, as tradições sempre evoluem e se modificam, acompanhando o movimento da história. Os bens simbólicos, tomados em conjunto, agora fazem parte de um projeto de política cultural que considera a multiplicidade de expressões como a referência institucional.
A pintura corporal dos índios brasileiros exemplifica essa fusão de arte e patrimônio cultural. Ela é, ao mesmo tempo, expressão estética, sinalização ritualística, identificação de grupo étnico, diferenciação sexual, representação de poder, proteção corporal e mimetismo. É uma manifestação cultural de entendimento simples para os que dela compartilham, integrada harmoniosamente à comunidade e ao meio-ambiente. No entanto, é complexa para os estudiosos, pois abrange um universo fabuloso de variações, conforme a origem do grupo, refletindo um sistema de códigos que remontam a tempos imemoriais.
Na história do mundo ocidental, contudo, o campo das artes adquire autonomia e se fragmenta. Na atualidade, a cada dia que passa as fronteiras que separam as artes se tornam mais flexíveis, mas ainda cabe às instituições culturais compreender as especificidades de cada uma e identificar suas carências e potencialidades. E instituir políticas de fomento, investimento e financiamento que garantam, em parceria com a iniciativa privada e não-governamental, a sustentação dos processos de criação, produção, distribuição, difusão, consumo e preservação dos bens simbólicos (ver 4.1.).
1.2. CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE E DIÁLOGOS INTERCULTURAIS
No mundo contemporâneo - onde a cultura e as identidades culturais estão na base de inúmeros conflitos -, respeitar a diversidade cultural significa, antes de tudo, garantir a paz e a segurança internacionais. Para tanto, a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada pela Unesco em 2005 e já ratificada pelo Brasil, convoca os povos e nações ao diálogo e à cooperação. O diálogo intercultural será eficaz se tiver como ponto de partida o respeito mútuo e o reconhecimento da dignidade inerente a todas as culturas. O Brasil, por sua diversidade e tradição diplomática em defesa da paz, agora elevada a princípio constitucional (art. 4º, VI e VII), pode e deve tornar-se um ator relevante na promoção desse diálogo, contribuindo para a solução de conflitos que eclodem a toda hora no cenário internacional.
A diversidade cultural é um dos maiores patrimônios do Brasil, fruto de nossa formação histórica. Por isso o diálogo intercultural deve estabelecer-se também no âmbito interno, entre os diversos grupos de identidade existentes no território nacional. Para tanto, a Convenção reafirma o direito soberano dos Estados de implantar as políticas e medidas que eles julgarem apropriadas para proteger e promover a diversidade das expressões culturais existentes em seus territórios, tendo presente que cabe proteção especial aos grupos mais vulneráveis às dinâmicas excludentes da globalização.
1.3. CULTURA EDUCAÇÃO E CRIATIVIDADE
A capacidade de criar é inerente a todos os seres humanos e se manifesta desde a tenra infância. No entanto, para que seja desenvolvida e potencializada, a criatividade depende, além do esforço individual, de um contínuo processo de formação, informação e aperfeiçoamento.
O desenvolvimento econômico e social do mundo contemporâneo está associado, cada vez mais, à capacidade humana de simbolizar, ou seja, ancora-se na criatividade de indivíduos e grupos. Nesse contexto, investir conjuntamente em cultura e educação é estratégico, e para isso é necessário criar instâncias de coordenação entre as políticas culturais e educacionais e estimular a interação entre as expressões da cultura e o sistema educativo.
Em 1985 ocorre a separação entre os ministérios da Educação e da Cultura, que até então era tratada como apêndice da política educacional. Criar um ministério exclusivo, no momento da transição para a democracia, significou reconhecer a importância da cultura para a construção da cidadania e para a proteção, promoção e valorização da diversidade cultural e da criatividade brasileiras. No entanto, esse ganho também trouxe perdas. Educação e Cultura praticamente deram-se as costas e a separação administrativa acabou gerando uma separação conceitual. Perdeu a Educação, com políticas dissociadas da dimensão da arte, da criatividade e da diversidade cultural; perdeu a Cultura, com políticas baseadas numa visão exclusivamente comercial, voltadas para o entretenimento e esquecidas de seu papel na promoção da cidadania.
Cabe, agora, buscar o reencontro da Educação e da Cultura, sem que para isso seja necessário retornar à situação administrativa anterior. As políticas culturais e educacionais podem construir uma agenda comum e colaborativa que qualifique a educação artística, implante a educação patrimonial e contribua para o incentivo ao livro e à leitura. Espera-se que essa agenda recoloque a cultura na vida cotidiana de professores e estudantes e abra espaço para que os mestres da cultura popular possam transmitir a riqueza dos seus saberes. Para tanto, é fundamental impulsionar a implantação da lei n º 11.465, que inclui no currículo oficial a obrigatoriedade das temáticas da história e da cultura afro-brasileira e indígena. Cabe aos afrodescendentes e indígenas serem os protagonistas desse processo, já que são eles os legítimos detentores da memória e da história desses povos.
1.4. CULTURA, COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA
As atividades relacionadas à informação estão adquirindo importância crescente no mundo atual. A produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural.
As atividades relacionadas à informação estão adquirindo importância crescente no mundo atual. A produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural.
As políticas culturais só recentemente começam a dar importância aos meios de comunicação de massas e ao seu papel de produtor e difusor da cultura. Tão necessário quanto reatar o vínculo entre cultura e educação é integrar as políticas culturais e de comunicação. Nesse sentido, os fóruns de cultura e de comunicação devem unir-se na luta pela regulamentação dos artigos da CF/88 relativos ao tema. Entre eles o que obriga as emissoras de rádio e televisão a adaptar sua programação ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, bem como o que estabelece a preferência que deve ser dada às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, à promoção da cultura nacional e regional e à produção independente (art. 221). Da mesma forma, cabe regulamentar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de rádio e TV (art. 223).
As emissoras comerciais se organizam com base nas demandas do mercado, que são legítimas. Contudo, essas demandas não podem ser as únicas a dar o tom da comunicação social no país. Aqui entra o papel das emissoras públicas, que devem dar visibilidade às idéias e expressões culturais minoritárias, que não têm aptidão para tornarem-se “campeãs de audiência” e nem encontram lugar nas emissoras comerciais. Exercendo funções complementares – não opostas – as emissoras públicas e comerciais, cada uma no seu campo, fortalecem a saúde da democracia.
As TVs e rádios comerciais vendem sua audiência (o público) para os anunciantes. Sua estratégia dirige-se à captação de público e à manutenção da atenção desse público. Elas vivem disso, que é o que tem valor em seu modelo de negócio. Para tanto, sua programação visa, basicamente, o entretenimento. As TVs e rádios públicas devem caminhar em outra direção. Não podem ser caixas de ressonância das demandas do mercado e tampouco sujeitar-se a promover os governantes. Precisam ser independentes dos governos e do mercado. Sua programação deve basear-se na experimentação de linguagens, na discussão de ideias e na busca da autonomia e da emancipação de ouvintes e telespectadores. Em suma, o negócio da televisão e das rádios públicas não é o entretenimento, é cultura, educação, informação e liberdade.
Para avançar nessa direção é necessária uma maior articulação interna do setor. Hoje, no país, há inúmeros canais públicos, mas eles não dialogam nem cooperam entre si e por vezes se consideram concorrentes. Conjugadas, essas emissoras podem estabelecer redes capazes de produzir e transmitir conteúdos ricos e diversos, funcionando em bases articuladas democraticamente, que respeitem suas especificidades, mas cuja resultante seja a constituição de malhas de troca e conexão de programações.
A TVs e rádios públicas são estratégicas para que a população tenha acesso aos bens culturais e ao patrimônio simbólico do país em toda sua diversidade. Para tanto elas precisam aprofundar a relação com a comunidade, que se traduz no maior controle social sobre sua gestão, no estabelecimento de canais permanentes dedicados à expressão das demandas dos diversos grupos sociais, na adoção de um modelo aberto à participação de produtores independentes e na criação de um sistema de financiamento que articule o compromisso de Municípios, Estados e União. Organicamente ligadas à sociedade, podem ampliar seu leque de prestação de serviços, conjugando programações
para diferentes meios (como a telefonia celular e a internet) e espaços educativo-culturais, como escolas, universidades, centros culturais, sindicatos e associações comunitárias.
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